Ai, Helena!, de amante e de esposo
Já o nome te faz suspirar,
Já tua alma singela pressente
Esse fogo de amor delicioso
Que primeiro nos faz palpitar! ...
Oh!, não vás, donzelinha inocente,
Não te vás a esse engano entregar:
É amor que te ilude e te mente,
É amor que te há-de matar!
Quando o Sol nestes montes desertos
Deixa a luz derradeira apagar,
Com as trevas da noite que espanta
Vêm os anjos do Inferno encobertos
A sua vítima incauta afagar.
Doce é a voz que adormece e quebranta,
Mas a mão do traidor ... faz gelar.
Treme, foge do amor que te encanta,
É amor que te há-de matar.
GARRETT, Almeida.
"Ai, Helena!"
in Folhas Caídas, Europa-América, 1999.
4 comentários:
Milénios volvidos, viria Orestes dizer a Garrett que podia ter avisado mais cedo e responderia, elegantemente, ao poema:
ORESTES - Amar? Quem pode amar essa mulher? Os órfãos, as viúvas, as mães abandonadas? Quem pode amar a puta sanguinária?
(O Rancor: exercício sobre Helena, Hélia Correia).
Ah, mas no volver dos milénios, não poderia vir também Safo dizer-lhes - a Orestes e a Garrett - que a beleza (não a das hostes nem a das infantarias) tem destas coisas: como Helena partiu sem olhar à filha ou ao marido, também Anactória poderia levar Safo a fazer o mesmo.
E se juntassemos ainda mais alguns à conversa, quem sabe, o Homero da Odisseia, o desaparecido Estesícoro, o próprio Eurípides ou (até mesmo) o irónico Machado, Helena saíria, entre a fantasia e o sarcasmo, vitoriosa; e não seria mais puta nem desgraçada: apenas Helena de Esparta (sem nunca ter sido, para mal dos mais lúcidos, de Tróia.)
Joana, um abraço. E obrigada.
(de Safo, o fr. 16 PLF)
A minha citação é pura curiosidade (sabes o quanto gosto desta obra!). A escolher outra, seria Estesícoro, como referiste, e a sua Palinódia (se bem que o facto de Páris ter andado ali com uma nuvem "debaixo do braço" é capaz de demover muito boa gente desta curiosa teoria).
Anactória ainda é (discutivelmente, é certo) aludida em mais um ou dois textos...e, de facto, concebo mais facilmente uma Safo "corruptível" do que uma Helena. Tenho um apreço especial por esta última; criei, desde cedo, na minha imaginação infantil, a sua imagem como a de uma mulher fascinante, forte e "senhora de si" - é-me impossível, por exemplo, olhar a Niké de Samotrácia e não pensar em Helena de Esparta.
Um abraço e uma boa noite, Patrícia.
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