Est prope Cimmerios longo spelunca recessu,
mons cavus, ignavi domus et penetralia Somni,
quo numquam radiis oriens mediusve cadensve
Phoebus adire potest: nebulae caligine mixtae
exhalantur humo dubiaeque crepuscula lucis.
Non vigil ales ibi cristati cantibus oris
evocat Auroram, nec voce silentia rumpunt
sollicitive canes canibusve sagacior anser;
non fera, non pecudes, non moti flamine rami
humanaeve sonum reddunt convicia linguae.
Muta quies habitat; saxo tamen exit ab imo
rivus aquae Lethes, per quem cum murmure labens
invitat somnos crepitantibus unda lapillis.
Ante fores antri fecunda papavera florent
innumeraeque herbae, quarum de lacte soporem
Nox legit et spargit per opacas umida terras.
Ianua, ne verso stridores cardine reddat,
nulla domo tota est, custos in limine nullus;
at medio torus est ebeno sublimis in antro,
plumeus, atricolor, pullo velamine tectus,
quo cubat ipse deus membris languore solutis.
Hunc circa passim varias imitantia formas
Somnia vana iacent totidem, quot messis aristas,
silva gerit frondes, eiectas litus harenas.
[...]
At pater e populo natorum mille suorum
excitat artificem simulatoremque figurae
Morphea: non illo quisquam sollertius alter
exprimit incessus vultumque sonumque loquendi;
adicit et vestes et consuetissima cuique
verba; sed hic solos homines imitatur, at alter
fit fera, fit volucris, fit longo corpore serpens:
hunc Icelon superi, mortale Phobetora vulgus
nominat; est etiam diversae tertius artis
Phantasos: ille in humum saxumque undamque trabemque,
quaeque vacant anima, fallaciter omnia transit;
regibus hi ducibusque suos ostendere vultus
nocte solent, populos alii plebemque pererrant.
Junto aos Cimérios, num cavado monte
Jaz uma gruta, de âmbito espaçoso,
Interna habitação de sono ignavo.
Nos exremos do céu, do céu nos cumes
Nunca lhe pode o Sol mandar seus raios;
A terra exala escurecidas névoas,
O crepúsculo incerto ali é dia:
Ali não chama pela aurora o galo;
Do lugar o silêncio nunca rompem
Os solícitos cães, os roucos patos,
Sagazes inda mais, mais pressentidos.
Não fera, não rebanho ali se escutam,
Nem ramo algum, que os Zéfiros embalem.
Nem alterados sons de voz humana;
O calado sossego ali reside.
De baixa, e rota pedra sai, contudo,
De água do Letes pequenino arroio,
Que, por entre os mexidos, leves seixos
Com murmúrio suave escorregando,
Convida molemente ao mole sono.
À boca da sombria, ampla caverna
Florescem mil fecundas dormideiras
Inumeráveis ervas lá se criam,
De cujo sumo, ó Noite, extrais os sonos,
Que úmida entornas pela terra opaca.
Porta alguma não há na estância toda:
Volvendo-se, ranger, bater pudera;
Ninguém vigia na fragosa entrada.
De ébano um alto leito está no meio,
E em negras plumas, que véu negro envolve,
Repousa o deus coa lânguida Indolência.
Em torno, váris formas imitando,
Jazem os Sonhos vãos: são tantos quantas
Na loura messe as trêmulas espigas,
Quantas na selva umbrosa as móveis folha,
E os grãos de areia nas equóreas praias.
O Sono em tanto mil não tem ministro
Mais destro que Morfeu, que melhor finja
O rosto, o modo, a voz, o traje, o passo,
A própria locução; porém somente
Este afigura os homens, outro em fera,
Em ave se converte, ou em serpente:
Ícelon pelos deuses é chamado,
Os humanos Fobetor o nomeiam.
Há terceiro também de arte diversa:
É Fantasos, que em pedra, em terra, em onda
Em árvore, e no mais, que não tem alma,
Súbito, e propriamente se transforma.
Uns aterram de noite os reis, e os grandes;
Outros por entre o povo errantes voam.
Ovídio, Metamorfoses (trad. e notas de Bocage).
São Paulo: Hedra, 2007.
2 comentários:
Olá, gostei muito desse poema ^^ tanto que o adaptei e usei em uma postagem no meu blog (que tbm fala de mitologia - entre outras coisas) coloquei como referencia essa postagem de vcs, para q possam vizualizar o poema integralmente.
Visitem lá e me digam se gostaram, espero que sim ^^
Continuem com o talento desse blog :]
http://blog-do-hermes.blogspot.com/2011/02/morada-de-hipnos-ovidio.html
Boa noite, Vitor.
Agradecemos as tuas palavras de incentivo - o que fazemos é por gosto e com o maior empenho!
O Blog do Hermes é um espaço curioso; sem dúvida, a diversidade de temas cria o potencial para levar um bocadinho da cultura Clássica a um público mais abrangente.
Um abraço!
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