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Vem, Musa, emigra da Grécia e da Jónia,
Elimina, por favor, essas contas que já foram por demais pagas,
Essa questão de Tróia e da ira de Aquiles, e das viagens de Eneias e da
Odisseia,
O letreiro "Livre" e "Para alugar" sobre os rochedos do vosso Parnaso nevado,
Repete o aviso em Jerusalém, coloca-o bem alto nos portões de Jafa e no
monte Moriah,
Faz o mesmo nas muralhas dos teus castelos alemães, franceses e espanhóis,
e nos museus italianos,
Para saberes que uma esfera melhor, mais recente, mais activa, um vasto
domínio novo espera por ti, reclama-te.
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Sensível ao nosso apelo,
Ou antes ao seu desejo há muito acalentado,
Juntamente com uma atracção irresistível e natural,
Ei-la que chega! Oiço o roçagar do seu vestido,
Sinto o odor da deliciosa fragrância da sua respiração,
Observo o seu passo divino, o seu olhar curioso que se volta, de um lado para
o outro,
Aqui, sobre este mesmo lugar.
A dama das damas! posso, então, acreditar,
Que nenhuns destes templos antigos e esculturas clássicas a conseguiram
reter?
Nem as sombras de Virgílio e Dante, nem miríades de memórias, poemas, velhas associações conseguiram magnetizá-la e prender-se a ela?
Mas que ela tenha a todos abandonado - e ei-la aqui?
Deixai que vo-lo diga,
Meus amigos, podeis não ver, mas eu vejo-a nitidamente.
A mesma alma imperecível da expressão da terra, da actividade, da beleza, da
heroicidade,
Aqui nascida da sua evolução, esgotado tudo oque fica dos seus antigos
temas,
Escondida e coberta pelos que são de hoje, fundamento dos que são de hoje,
Acabada, falecida através dos tempos, a sua voz junto à fonte de Castália,
Silenciosa a Esfinge de lábios fendidos no Egipto, silenciosos todos aqueles
túmulos que confundiram os séculos,
Acabadas para sempre as epopeias dos guerreiros com elmo da Ásia e da
Europa, acabado o primitivo apelo das musas,
Terminado para sempre o apela de Calíope, mortas Clio, Melpómene, Tália,
Acabado o ritmo imponente de Una e Oriana, acabada a busca do Santo Graal,
Jerusalém um punhado de cinzas dispersas pelo vento, extintas,
O fluxo de Cruzados, tropas sombrias da meia-noite, apressando-se ao nascer
do sol,
Amadis, Tancredo, totalmente desaparecidos, Carlos Magno, Rolando, Oliveiros
desaparecidos,
Palmeirim, ogres, fugitivos, desaparecidos dos torreões que Usk reflectia nas
suas águas,
Artur desaparecido com todos os seus cavaleiros, Merlim e Lancelote e Galaaz,
todos desaparecidos, totalmente dissolvido como uma exalação;
Ultrapassado! ultrapassado! para nós, ultrapassado para sempre, esse mundo
outrora tão poderoso, agora vazio, inanimado, um mundo fantasma,
Mundo embelezado, deslumbrante, estranho, com toda as suas lendas e mitos
sumptuosos,
Os seus orgulhos reis e castelos, os seus sacerdotes e belicosos senhores e
damas da corte,
Descidos à sua cripta funerária, metidos no túmulo com coroa e armadura,
Com as páginas purpúreas de Shakespeare por brazão,
E cantados pelos versos doces e tristes de Tennyson.
Repito e vejo, meus amigos, se vós não vedes, a ilustre emigrada (tendo, é
verdade, no seu tempo, consideravelmente mudado e viajado embora seja
a mesma),
Dirigir-se directamente para este local de encontro, abrindo com vigor o
caminho, caminhando através da confusão,
Sem recear o ruído surdo das máquinas e dos seus silvos agudos,
Nem sequer desanimada pelos esgotos, gasómetros, fertilizantes artificiais,
Sorridente e feliz com a intenção visível de ficar,
Ela aqui está, instalada no meio de utensílios de cozinha!
6
(Isto, tudo isto, América, serão as tuas pirâmides e obeliscos,
O teu farol da Alexandria, os teus jardins da Babilónia,
O teu templo em Olímpia.)
Muitos homens e mulheres não trabalham,
Aqui serão sempre confrontados por todos aqueles que trabalham
Com benefícios preciosos para ambos, glória para todos,
Para ti, América, e para ti, eterna Musa.
E aqui habitareis vós, poderosas Matronas!
No vosso vasto domínio, mais vasto que todos os de outrora,
Cujo eco através de longos, longos séculos que hão-de vir
Acompanhando diferentes canções mais orgulhosas, com temas mais
vigorosos,
A vida prática e pacífica, a vida do povo, o próprio Povo,
Enaltecido, iluminado, banhado em paz - exaltado, confiante na paz.
WHITMAN, Walt, Folhas de Erva vol. I
(ed. bilingue - tradução M. de Lourdes Guimarães).
Lisboa: Relógio D'Água, 2002.
1 comentário:
Reconheço que é um excerto longo e que poderia ter seccionado ainda mais o texto; mas, como é moda dizer, não era a mesma coisa. E mal não faz, nunca.
Um abraço
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