terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Apontamentos para uma primeira breve nota sobre o ciúme


Eleni Karaindrou, "By the sea"


2. Werther está preso a esta imagem: Carlota corta as fatias e distribui-as pelos irmãos e irmãs. Carlota é um bolo e esse bolo divide-se: cada um tem a sua fatia: não sou o único - em nada sou o único, tenho irmãos, irmãs, devo dividir, devo submeter-me a essa partilha: as deusas do Destino não são também as deusas da Divisão, as moiras - sendo a última, a Muda, a Morte? Além disso, se não aceito a divisão do ser amado, nego a sua perfeição, pois pertence à perfeição o dividir-se: Mélita divide-se porque é perfeita e Hipérion sofre com isso: «A minha tristeza era verdadeiramente sem limites. Foi preciso afastar-me». Assim, sofro duas vezes: pela própria partilha e pela minha impossibilidade de aceitar a sua nobreza
[...]. 4. Ciumento, sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me censuro de o ser, porque temo que o meu ciúme fira o outro, porque me deixo submeter a uma banalidade: sofro por ser exclusivista, agressivo, louco e vulgar.


BARTHES, Roland.
Fragmentos de um discurso amoroso, Edições 70, 2006.
(Trad.: Isabel Pascoal)



Φαίνεταί μοι κῆνος ἴσος θέοισιν
ἔμμεν᾽ ὤνηρ, ὄττις ἐνάντιός τοι
ἰσδάνει καὶ πλάσιον ἆδυ φωνεί-
      σας ὐπακούει


καὶ γελαίσ‹ας› ἰμέροεν. τό μ᾽ ἦ μάν
καρδίαν ἐν στήθεσιν ἐπτόαισεν.
ὢς γὰρ ἔς σ᾽ ἴδω βρόχε᾽, ὤς με φώνη-
      σ᾽ οὖδεν ἔτ᾽ εἴκει,


ἀλλὰ κὰμ μὲν γλῶσσα ἔαγε, λέπτον
δ᾽ αὔτικα χρῶι πῦρ ὐπαδεδρόμακεν,
ὀππάτεσσι δ᾽ οὖδεν ὄρημμ᾽, ἐπιρρόμ-
      βεισι δ᾽ ἄκουαι,

ἀ δέ μ᾽ ἴδρως κακχέεται, τρόμος δέ
παῖσαν ἄγρει, χλωροτέρα δὲ ποίας
ἔμμι, τεθνάκην δ᾽ ὀλίγω ᾽πιδεύης
      φαίνομ᾽ ἔμ᾽ αὔται·


ἀλλὰ πᾶν τόλματον, ἐπεὶ +καὶ πένητα

2 (31 L-P)


Igual aos deuses me parece
o homem que, sentado à tua frente e próximo,
a tua doce voz escuta e o teu
riso amorável. Isso me faz

tumultar o coração no peito. Ver-te
me basta, na verdade, para que
a voz me falte, a língua
se me fenda e um repentino
fogo subtil alastre
sob a minha pele, os olhos
se me escureçam, os ouvidos
me zumbam, o suor

me inunde, um arrepio
me percorra toda. Fico
mais verde do que a erva. Sinto
que vou morrer...

2 (31 L-P)




SAFO.
Alceu e Safo, INCM, 1986.
 (Trad.: Albano Martins) 



Ille mi par esse deo uidetur,
ille, si fas est, superare diuos
qui sedens aduersus identidem te
__spectat et audit
dulce ridentem, misero quod omnis
eripit sensus mihi: nam simul te,
Lesbia, aspexi, nihil est super mi
. . . . . . . . . . . .
lingua sed torpet, tenuis sub artus
flamma demanat, sonitu suopte
tintinant aures gemina, teguntur
     lumina nocte.
otium, Catulle, tibi molestum est:
otio exsultas nimiumque gestis:
otium et reges prius et beatas
     perdidit urbes.

(LI. 1-16)


Igual a um deus me parece,
superior aos deuses, se é lícito dizê-lo,
aquele que, sentado defronte de ti
__te vê e ouve
teu doce riso, que a este desgraçado
tira todo o senso: pois logo que,
Ó Lésbia, te vejo, nada resta
. . . . . . . . . . . . 
mas entorpece-se a língua, nos membros
corre uma ténue chama, os ouvidos
retinem de zumbidos, aos olhos ambos
__cobre-os a noite.
O ócio, Catulo, faz-te mal:
com o ócio excitas-te e anseias demasiado;
o ócio, a reis e cidades outrora felizes
__deitou a perder.

(LI. 1-16)


CATULO.
"O ciúme"

in Romana: Antologia da Cultura Latina, Asa, 2005.
(Trad.: Maria Helena da Rocha Pereira)



ut levis absumptis paulatim viribus ignis
     ipse latet, summo canet in igne cinis,
sed tamen extinctas admoto sulpure flammas
     invenit, et lumen, quod fuit ante, redit:
sic, ubi pigra situ securaque pectora torpent,
     acribus est stimulis eliciendus amor.
fac timeat de te, tepidamque recalface mentem:
     palleat indicio criminis illa tui;


(II. 439-446)


O coração experimenta folgança, as mais das vezes, na prosperidade,
e não é fácil viver o conforto com espírito igual.
Tal como a fogueira enfraquecida, quando a força, a pouco e pouco, se esvaiu,
mas, mesmo apagadas, ateia as chamas, com a força de um sopro,
e retorna o lume que antes ardia,
assim, quando os corações indolentes caem no torpor do desmazelo e da [segurança,
o amor tem de ser espicaçado com afiados aguilhões.
Faz com que sinta receio por tua causa e aquece-lhe o coração morno;
que empalideça ao sentir sinais da tua traição.

(II. 439-446)


OVÍDIO.
Arte de amar, Cotovia, 2006.
(Trad.: Carlos Ascenso André)

1 comentário:

Joana Costa disse...

"O, beware, my lord, of jealousy;
It is the green-eyed monster which doth mock
The meat it feeds on; that cuckold lives in bliss
Who, certain of his fate, loves not his wronger."

Otelo