do filme Kavafis (1996)
Farnaces, o poeta, está compondo agora
a parte decisiva da sua epopeia:
como foi que ascendeu ao trono imperial
da Pérsia, o Rei Dario, de Histaspes o filho.
(É dele que descende o nosso ilustre rei
Mitrídates, Diónisos, Eupator).
Mas tem de pôr aqui muita filosofia:
precisa de analisar os sentimentos
que o Rei dos Reis terá sentido então -
embriaguez? Orgulho? Não... Talvez
que a inanidade vã de todas as grandezas.
De súbito, entra um servo para anunciar-lhe,
ofegante, as notícias momentosas:
a guerra com os Romanos estalou,
as nossas tropas cruzam a fronteira.
O poeta fica siderado. Oh
que desastre medonho! Como pode o rei
Mitrídates, Diónisos, Eupator,
dar atenção agora a epopeias
em grego? Em grego, sim?! - em plena guerra?
Farnaces fica desolado. Mas que azar!
Precisamente quando o seu Dario
tinha a certeza de vencer, de confundir
os invejosos críticos que o mordem!
Que atraso, mas que atraso, em seus desígnios!
E se esse atraso ainda fosse o pior!...
Será porém que estamos bem seguros
aqui, nesta cidade? Misos nem sequer
está defendida... E os Romanos são
terríveis inimigos. Nós, da Capadócia,
podemos nós medir-nos com as legiões de Roma?
Valei-nos, Deuses Protectores da Ásia!
E todavida, nesta angústia inquieta,
teimosamente a inspiração insiste -
é mais provável que embriaguez e orgulho...
Dario sentiu então embriaguez e orgulho.
CAVAFY, Constantino.
90 e mais quatro poemas, Asa, 2003.
(Trad.: Jorge de Sena)
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