domingo, 6 de fevereiro de 2011

Murilo e os gregos (3), ou Há quanto tempo não me guia Murilo Mendes pelo escuro


Mozart, Sinfonia nº 40, K. 550, em sol menor
Orquestra de Câmara Escocesa
Maestro Sir Charles Mackerras



Sócrates diz que não se interessa pela natureza fisica, mas sim pelo homem e seus problemas. (Observo que no Evangelho não existe nenhuma descrição da natureza.) Subindo a colina da Acrópole, recordo-me que era aqui o centro da Atenas antiga, com seus protagonistas: o homem e a luz; o templo servia como testemunha dos dois. O que resta da Acrópole é suficiente para nos restituir o esquema de uma cultura artística fundada sobre o ritmo e a medida, a "divina proporção". Comparando a mozartiana sinfonia em sol menor K. 550 a uma figura destacada no frio das Panatenéias, Schumann aludiu implicitamente ao caráter musical dessa parte do Partenon: poderia fazê-lo ao todo. Aqui se vê, se palpa, se ouve o "cântico das colunas". A propósito de colunas, a idéia mais moderna que conheço é a de Stendhal quando escreve, ligando-se de resto à posição socrática: "Rien ne conduit aussi vite au bâillement et à l'épuisement moral que la vue d'un fort beau paysage; c'est dans ce cas que la colonne antique la plus insignifiante est d'un prix infini: elle jette l'âme dans um nouvel ordre de sentiments". A coluna tornou-se pois a árvore do homem moderno, que de resto agora a suprime.

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A figura do templo (mesmo em grande parte destruído), base material do conceito sacro, permanece. Aqui na Acrópole, fazendo funcionar a memória, tento reconstituir o trabalho imenso da edificação deste templo, do qual certamente participava toda a "pólis", inclusive tantos olhos ilustres, tantos cérebros que até hoje conseguem dialogar conosco. O Partenon é uma ruína que, sustentada pela força da luz, ressuscita cada dia, corpo glorioso.


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O Museu Nacional ateniense nos ajuda a completar nossa informação da Acrópole e da arte grega. Além da descoberta da estela de Diotima, personage que, desde Platão a Hölderlin, nos é tão familiar, o impacto maior virá das estátuas dos Kouroi, jovens nus, em particular a do Kouros arcaico encontrado em Milo, obra de um artista ilhéu, datando do 6.º século antes de Cristo. Essas esculturas propõem-nos uma interpretação do homem grego, entre o fato cotidiano e o enigmático, entre a linha concreta e a indefinível. São emblemas de uma civilização que encontrou sua forma plástico-literária, hesitando em dar o salto mortal no desconhecido; mas a fronteira entre os dois mundos, o físico e o sagrado, não resulta assim tão clara.



MENDES, Murilo.
"Grécia e Atenas"
in Carta Geográfica, in Transístor, Nova Fronteira, 1980.

1 comentário:

Joana Costa disse...

Permitam-me um pequeno comentário acerca da música: na minha opinião, escolheste a melhor interpretação da Grande Sinfonia. Prefiro a de Mackerras às de Karajan ou Pinnock, por exemplo.
Um abraço!