Para chegar a uma percepção mais aguda da Grécia, foi-me preciso visitá-la, perlustrar-lhe o solo, tocar algo do seu povo, absorver-lhe a luz, controlar a presença do mito no contexto humano do país.
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Podemos escolher duas maneiras de interpretar a Grécia: ligando em tudo a Grécia antiga à moderna, sem nenhuma solução de continuidade, como faz Henry Miller que em qualquer marinheiro encontrado aqui enxerga Ulisses; ou dividir as duas Grécias, considerando a Grécia moderna numa dimensão à parte: um país mutilado pelo golpe dos séculos, as sucessivas ocupações do seu território, os saques, as mudanças da sua língua, e por uma política retrógrada que a impede de ajustar sua forma ao quadro do mundo evoluído.
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De qualquer maneira, como parece desfigurada esta nossa pequena Grécia que herdamos da Grécia antiga! Qual seria a verdadeira informação sobre o país que inventou o diálogo? O certo é que a Grécia, talvez devido à elasticidade dos símbolos e do mito, sempre nos escapa.
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A tradição clássica de Atenas pesa demais sobre o seu presente. Direi que a cidade consiste na Acrópole e nos museus? Esquecerei o elemento mais vivo de Atenas e de toda a Grécia, a luz que, nos redimindo de muitas culpas, consegue nos subtrair à idéia dissonante da morte?
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Agrada-me surpreender o povo nas ruas do bairro velho que conduzem à Acrópole, guardando ainda uns restos orientalizantes, com alguma pequena igreja bizantina, antiquários expondo ícones, tendas abrigando astesãos atentos ao seu ofício, tavernas onde se poderá provar uma posta de marida, peixe frito com salada de alface e orégão. Da parte moderna, com seus incaracterísticos palácios neoclássicos, projetados no século 19 pelo arquiteto dum rei alemão da Grécia (!), retenho os cafés movimentados, Jannaki, Floka, Zonars, Zakaratos, onde nos servem sorvetes enormes, doces à base de laranja, limão ou mel, baklava, kurabies.
MENDES, Murilo.
"Grécia e Atenas"
in Carta Geográfica, in Transístor, Nova Fronteira, 1980
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