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André Malraux escreveu que no fundo de qualquer homem ocidental repousa um grego. Quanto a mim, tive que refazer muitas vezes a imagem que desde adolescente fui-me construindo da Grécia. Depois da fase inicial, a da Grécia antojada através de manuais de história e dos poetas parnasianos, brasileiros ou franceses, veio a fase polêmica, na tentativa de destruir uma Grécia que me parecia irreversível, imobilizada no academismo, fora da experiência deste século: embora contraditoriamente soubesse que as idéias gregas continuavam a fecundar a cultura ocidental, da teologia à pesquisa leiga, da arte à política, do teatro à pedagogia. Mais tarde a leitura de Platão e dos pré-socráticos ajudou-me a desenhar a figura duma Grécia do equilíbrio, da razão, da justa medida, que ainda podia ligar-se à nossa época por meio de numerosos fios de contacto, sobressaindo aqui o texto de "Eupalinos ou l'architecte". Mas, talvez acima de tudo, a Grécia possui uma força inesgotável: sua mitologia, que constitui ao mesmo tempo sistema cosmogônico, transposição figurada de fatos reais, reservatório sempre renovado de arquétipos e símbolos. Haverá nesta terra muitas coisas maiores que a mitologia grega, na sua capacidade de contaminar poetas e pensadores? Dai-me uma fábula grega, um "mitologema", e eu recriarei o mundo.
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Hoje a Grécia se apresenta aos meus olhos como um país fundamental, um dos raros onde a presença do mito subsiste no ar, na paisagem, nas ruínas, também na obra de alguns poetas maiores, que posso ler somente em tradução. Grande é o meu prazer quando vejo a importância e necessidade do mito sublinhadas por algum alto espírito de cientista ou pensador; ainda agora nesta passagem de C. G. Jung:
"Infelizmente hoje se dá bem pouco desafogo ao lado mítico do homem: este não pode mais criar mitos. Assim muitas coisas lhe escapa: já que é importante e saudável falar também de coisas incompreensíveis. Na realidade, dia a dia vivemos muito além dos confins da nossa consciência; a vida do inconsciente caminha conosco sem que disto sejamos sabedores. Quanto mais domina a razão crítica, tanto mais a vida se empobrece; quanto maior carga de inconsciente e de mito somos capazes de levar à consciência, tanto mais completa tornamos a nossa vida. A razão, se superestimada, tem isto de comum com o absolutismo político: sob o seu domínio a vida individual se empobrece."
MENDES, Murilo.
"Grécia e Atenas"
in Carta Geográfica, in Transístor, Nova Fronteira, 1980.
2 comentários:
Patrícia!
Sempre tive muita curiosidade em ler Murilo Mendes e, pelo que pude perceber, tu gostas muito dos seus livros. Assim que tiver oportunidade, hei-de sentar-me a lê-lo e farei questão de te contar como foi.
Há dias um passarinho disse-me que se quisesse conselhos sobre os brasileiros para falar contigo. Sorri-lhe e disse: "Realmente já tinha dado para notar!". Um dia, eu, o passarinho e tu vamos tomar café, visto nenhum de nós ter ainda coragem para prosar contigo.
Um abraço do Orlando,
o furioso
Caro Orlando,
lê o mais rapidamente possível Murilo Mendes. É urgente. Terei, depois, todo o prazer em ouvir-te.
De facto, sou apaixonada pelos estudos brasileiros. Mas haverá, com certeza, melhores conselheiros.
Teria também muito gosto em tomar café convosco.
Outro abraço da Patrícia.
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