terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Homero, Séneca e a razoabilidade


Lamento profundamente o falecimento do teu amigo Flaco, no entanto entendo que a tua dor não deve ultrapassar os limites do razoável. Não ousaria exigir de ti que não sentisses o mínimo abalo perante o facto, embora isso fosse o ideal. Uma tal firmeza de ânimo, contudo, apenas está ao alcance de quem já se alçou muito acima das contingências da fortuna. E mesmo um homem assim não deixaria de sentir na alma uma beliscadura, se bem que somente uma beliscadura! A homens como nós pode perdoar-se que deixemos correr as lágrimas, desde que não em excesso, e desde que nós mesmos as saibamos estancar. Importa que, perante o desaparecimento de um amigo, os nossos olhos nem fiquem secos nem inundados. Chorar, sim, desfazermo-nos em pranto, isso não! Achas que eu pareço impor-te uma lei severa, quando até o maior poeta da Grécia concedeu às lágrimas tão somente o espaço de um dia, ou nos diz que até Níobe não descurou os cuidados com a alimentação?

(
Livro VII. 63)



SÉNECA.
Cartas a Lucílio, Gulbenkian, 1991.
 (Trad.: J. A. Segurado e Campos)




ἀλλὰ χρὴ τὸν μὲν καταθάπτειν ὅς κε θάνηισι
νηλέα θυμὸν ἔχοντας ἐπ᾽ ἤματι δακρύσαντας· 

Compete-nos sepultar aquele que morreu,
de coração inflexível, chorando só naquele dia.

(XIX. 228-9)



HOMERO.
Ilíada, Cotovia, 2007.
(Trad.: Frederico Lourenço)

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