sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

* Então, com mansa admiração, [...] balbuciou estas palavras: «Argos, cão de Ulisses».



Os poemas de amor
acabaram com Homero
quando Argos, o cão,
viveu mais que todos os cães
para abanar a cauda a Ulisses
e morrer depois.

 

John Flaxman, Odysseus and Argos



ἔνθα κύων κεῖτ᾽ Ἄργος, ἐνίπλειος κυνοραιστέων.
δὴ τότε γ᾽, ὡς ἐνόησεν Ὀδυσσέα ἐγγὺς ἐόντα,
οὐρῆι μέν ῥ᾽ ὅ γ᾽ ἔσηνε καὶ οὔατα κάββαλεν ἄμφω,
ἆσσον δ᾽ οὐκέτ᾽ ἔπειτα δυνήσατο οἷο ἄνακτος
ἐλθέμεν· αὐτὰρ ὁ νόσφιν ἰδὼν ἀπομόρξατο δάκρυ.


τὸν δ᾽ ἀπαμειβόμενος προσέφης, Εὔμαιε συβῶτα·
καὶ λίην ἀνδρός γε κύων ὅδε τῆλε θανόντος.
εἰ τοιόσδ᾽ εἴη ἠμὲν δέμας ἠδὲ καὶ ἔργα,
οἷόν μιν Τροίηνδε κιὼν κατέλειπεν Ὀδυσσεύς,
315 αἶψά κε θηήσαιο ἰδὼν ταχυτῆτα καὶ ἀλκήν.
οὐ μὲν γάρ τι φύγεσκε βαθείης βένθεσιν ὕλης
κνώδαλον, ὅττι δίοιτο· καὶ ἴχνεσι γὰρ περιήιδη·
νῦν δ᾽ ἔχεται κακότητι, ἄναξ δέ οἱ ἄλλοθι πάτρης
ὤλετο, τὸν δὲ γυναῖκες ἀκηδέες οὐ κομέουσι.
320 δμῶες δ᾽, εὖτ᾽ ἂν μηκέτ᾽ ἐπικρατέωσιν ἄνακτες,
οὐκέτ᾽ ἔπειτ᾽ ἐθέλουσιν ἐναίσιμα ἐργάζεσθαι·
ἥμισυ γάρ τ᾽ ἀρετῆς ἀποαίνυται εὐρύοπα Ζεὺς
ἀνέρος, εὖτ᾽ ἄν μιν κατὰ δούλιον ἦμαρ ἕληισιν.

ὣς εἰπὼν εἰσῆλθε δόμους εὖ ναιετάοντας,
325 βῆ δ᾽ ἰθὺς μεγάροιο μετὰ μνηστῆρας ἀγαυούς.
Ἄργον δ᾽ αὖ κατὰ μοῖρ᾽ ἔλαβεν μέλανος θανάτοιο,
αὐτίκ᾽ ἰδόντ᾽ Ὀδυσῆα ἐεικοστῶι ἐνιαυτῶι.


(XVII. 300-327)

Aí jazia o cão Argos, coberto das carraças dos cães.
Mas quando se apercebeu que Ulisses estava perto,
começou a abanar a cauda e baixou ambas as orelhas;
só que já não tinha força para se aproximar do dono.
Então Ulisses olhou para o lado e limpou uma lágrima.

[...]

Foi então, ó porqueiro Eumeu, que lhe deste esta resposta:
"É na verdade o cão de um homem que morreu.
Se ele tivesse o aspecto e as capacidades que tinha
quando o deixou Ulisses, ao partir para Tróia,
admirar-te-ias logo com a sua rapidez e a sua força.
Não havia animal no bosque, que ele perseguisse,
que dele conseguisse fugir: e de faro era também excelente.
Mas está agora na desgraça: o dono morreu longe,
e as mulheres indiferentes não lhe dão quaisquer cuidados.
Pois os servos, quando os amos não lhes dão ordens,
não querem fazer o trabalho como deve ser:
Zeus que vê ao longe retira ao homem metade do seu valor
quando chega para ele o dia da sua escravização."

Assim dizendo, entrou no palácio bem construído
e foi logo juntar-se na sala aos orgulhosos pretendentes.
Mas Argos foi tomado pelo negro destino da morte,
depois que viu Ulisses, ao fim de vinte anos.

(XVII. 300-327)



HOMERO.
Odisseia, Cotovia, 2008.
(Trad.: Frederico Lourenço)

* Jorge Luis Borges, in O Imortal.

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