Ergo
edifícios a partir de memórias, de palavras, de gestos que
ficaram das nossas conversas, quando o tempo se reduzia
aos instante que vivíamos, e nenhum futuro nos impunha
a sua sombra. Agora, porém, a que estação te irei buscar?
[...]
Mas o que é o amor senão esse trabalho
de renúncia e entrega, a lenta bebida que nos impregna
com o seu veneno, e nos concede a única vida possível?
Então, regressa da tua ausência; ou dá-me ao menos
a tua sombra, para que ela me cubra com esse manto
de obstinação que só os tristes arrastam.a tua sombra, para que ela me cubra com esse manto
[...]
O futuro pertence aos cegos da imaginação; as suas
paisagens estendem-se por esses caminhos que não voltaremos a
seguir, até aos arbustos do horizonte. Não ouço nenhuma voz
nos pórticos que se abriam para a mais efémera das alegrias - a
que se confunde com um rosto incessante no interior
da alma, a pura inscrição do amor. Guardo-te aí, flor matinal,
esperando que a água da vida te refloresça, e uma nova
vibração te devolva à ilusão do presente. O centro é este: o lugar
do encontro, onde os deuses nos roubam ao acessório,
e um todo se fixa no que é aparente, e passa.
JÚDICE, Nuno.
"Carta de Orfeu a Eurídice"
in Pedro, lembrando Inês, Dom Quixote, 2001.
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